Ao amarrotar uma carta entre os dedos, sinto que está distante o fluir de momentos que foram meus e abandonei para sempre. É então que uma espécie de morte me percorre os sentidos.
O sol aquece, as folhas das árvores brilham. Devíamos estar gratos à vida só pelo facto de existirem árvores. Ao observá-las sinto haver em mim palavras adormecidas que hão-de despertar. Não chegou ainda a serenidade das longas tardes de Verão em que ao olhar o mar ficamos submersos na nossa vida interior.
As experiências penetram em cada um de nós e ficam a pertencer-nos. Mesmo as desagradáveis, aquelas que queremos afastar, permanecem insistentes, solidificam de um modo capaz de surpreender-nos. Quantas vezes uma simples palavra murmurada ganhou extraordinária importância, ou a expressão de um moribundo nos impressionou de tal modo que nunca mais pudemos esquecê-lo.
Escrevo Para Desistir, Editora &etc, Lisboa, 1986
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